Mulher magia
Tenho saudades do tempo em que eu era a anciã
em que as rugas escorriam as gotas suadas de chuva como ribeiros sinuosos
em que os cabelos alvos espelhavam o luar
e transmitiam as linhas pensantes de conhecimentos distantes...
Era um tempo que desejo, qual criança ansiosa
de sangue jovem irado e desenvoltura graciosa.
Mas nessa visão sincopada que rege o meu agora,
sinto-me à noite, sozinha,
a mulher velha de outrora.
Corro o risco, corro o riso, e desvelo um olhar atento
de quem sabe, para além de si, analisar um sentimento.
Salto as pedras, salto alto, e encontro-me na montanha
sábia, madura, presente, que se sente… e se entranha.
Quem me olha sabe ouvir, histórias de tempos sem data
quem me vê ousa inquirir sobre esta veste novata.
Sou de dois lados!
Estou em mim plena!
Abro meus braços,
sinto a lua,
meu ciclo que flutua,
...meu coração se serena...
Dos ancestrais aqui presentes, e atenta aos meus medos
plantas sibilam sussurros
e me entregam aos céus seus enviados segredos
São versos de cura e de visões cristalinas
Olhares de mãe, mulher madura
Sentires de irmãs, ainda meninas
Sou de dois lados:
este que visto, e aquele vivo!
Sou mulher que chora e dança à chuva
para que as suas lágrimas se confundam com a tristeza de outono
Sou garota que corre ao vento de primavera
confundido seus fios de saber com o ouro das searas
num completo abandono
Sou a velha que enrijece com a neve fria que abranda
Sou a deusa, que fogosa, aquece o chão por onde anda…
E desabrocha a cada dia,
uma pétala, mais um ano
cresço cá dentro, sento-me em mim,
e me vejo de outro plano.
Tenho saudades dessa velha, sábia alma,
de cabelo branco, grisalho
Sendo mulher presente - vivo atenta!
esperando pela vindoura calma
tal Mae-terra que sedenta
recebe a gota de orvalho.
Enquanto caminho nesse trilho,
sinto-me a menina-neta
olhos cheios de brilho
que parte à descoberta
Sou de dois lados:
Sou a nova e sou a velha.
Enquanto isso sou eu,
que prostrada se ajoelha
possuindo a visão da lua
bem perto da sobrancelha
e gerando frutos férteis
se enraiza na terra
deixando-a vermelha.
Luz Peixoto
30.03.2016