Floresta
Viajei sem pressa, sem medo
Por esses olhos verdes raiados de sol e de terra.
Sonhei ser a fada que os voa
Vivi refúgio na calma aquosa desse riso subtil
Escrito na íris de uma canopia incessante
Presente num mundo onde o sol não se põe
Mas também não queima...
Como uma loba perdida,
Fui fera e feroz e feericamente rosnei e
bradei
Por um encontro que aquietasse este bater
selvagem e indomável
Que pulsa por dentro e por fora
E me faz temer e enfrentar, e tremer e
ribombar
Em ritmo sincopado que me faz perder as pernas
e o sentir
E prostrar-me em reverência à floresta que
representas
Onde elementos se esbatem e se esvaem e se
fundem
Numa aguarela difusa pincelada pela luxuriosa
força das águas
Que correm de meus olhos e choram a presença
infinitamente presente
De um corpo maior que eu
Que me transborda em natureza
E brota de meu ser como uma semente...
Semente regada por palavras sábias...
Vindas de onde?... Não sei...
Sei que as sinto e reverberam e suspiram
e são transpiradas por poros que desconheço
que em mim habitam, mas desconheço...
que em mim se agitam, mas desconheço...
Desconheço a sua origem, o infinito que as
começa
Assim como desconheço o infinito onde irão
parar
Sei que são regadas pelos veios artísticos que
correm e definem
o teu corpo, a tua palavra, a tua voz, a tua
emanação...
Sei que representam vida, para lá de todas as
mortes que nos fazem viver
e nos fazem crescer em total e absorta amnésia
constante.
De onde venho? O que sou?
Amalgamada de lembranças e histórias que me
fazem ser Luzia
Sem a mínima coerência consciente de um
passado que me suplanta a vida
Mas que me fez mergulhar aqui!
- nas profundezas da tua floresta –
Por divina e ulterior providência cheguei até
ti.
Caminhei estes trilhos, cobertos de folhas
escritas de histórias
Senti o cheiro à terra húmida que emanas
E o silêncio! Ah esse eterno silêncio que
respiras
E me faz sentir eterna...
Esses olhos verdes raiados de sol e de terra
Falam silêncios que entendo atómicamente...
Não é a mente que os desvenda!
Não é a lógica e os silogismos filosóficos
Não é a operação derivada do integral logarítmico...
Não há ciência que o justifique.
Nem teosofia que o defina.
Não há solução nem problema nem ideia nem acção
Que o precise...
Há algo, para lá do que existe,
Que me angustía quando repouso meu ser na
intelectualidade em que se revê
E reconheço a limitação castradora da palavra
e do conceito.
Entendo atómicamente...
Porque o que entendo não se define! Não se
limita!
Vai para lá da quântica e da física e do espírito...
Vai para lá da quântica e da física e do espírito...
É inexplicável na essência esta percepção do
silêncio que emanas
E que me faz sentir tão somente em mim
Loba encontrada, amansada
Pelo reconhecimento de algo que nos transborda
a existência
E nos faz ser mais do que o uivo ouvido na
floresta
Aquele calor de nos reconhecermos em substância...
Que por mais que me estenda por versos e metáforas
Será sempre em vão
Será sempre uma aproximação de algo
tão
distante como o sentido da vida, o seu início, ou o pó estelar...
Apenas reconheço o silêncio da floresta
Como a mais nobre parecença do que és
E como a mais nobre aproximação
do que eu
realmente
sou.