manhã portuense
era noite
e nos escombros do dia
a cidade vivia
isolada.
Sentada
na ausencia dos sentidos
povoada por ecos dos sons repetidos.
Estridentes e ausentes
flamejantes, contundentes,
buzinando no maralhal de gente
encontrada assim de repente
sem rumo aparente,
mas ordeiramente
seguindo a mecânica
já estipulada
do agir inconsequente.
. sigo para casa
no fluxo impessoal e intransmissível
de emoções presentes.
levo comigo toda a cidade;
segue a meu lado, sem saber
está maquinalmente encostada a mim
segue no metro, no passeio
nas quelhas e vielas
por onde passo, com meu cansaço
nos passos ritmados
de todos os viventes
que, sobre vivência
apenas se identificam
como sobreviventes....
Ritmicamente, entra-se e sai-se
dos carros, dos transportes,
das lojas,
da porta da porta da porta que abre a porta
e que se fecha no nosso pequeno mundo
invísível à cidade
e visível a nós próprios.
Descalços em casa sentimos.
Na planta dos pés,
no cansaço das palpebras que teimam em fechar
um copo de vinho e um charrinho
fazem-nos relaxar...
é tarde mas a frenética das coisas
tira-nos a vontade de dormir...
apetece dançar, sair.
Mais um bafo de esquecimento
e estamos prontos para encarar a cidade
que sem dormir vive agora festiva.
Chove. Mas a inércia de há pouco
desapareceu por inteiro
e mesmo sem dinheiro
com espirito aventureiro
prioriza-se o relaxar.
Vamos dançar!
O dia acaba quando a noite começa.
As pessoas já se cruzam
conversam, encontram-se.
Nos mesmos sitios
onde passaram há pouco irreconhecídas
mudas, estremecidas.
Tudo mudou.
No mesmo sítio da mesma cidade,
com as mesmas pessoas que já são outras
pois estas foram a casa buscar a alma!
Loucura, aventura, perdição
fazem da noite férias de verão
para onde quer que vocês vão-
tropegos e cambaleantes
depois de mais mil bafos de esquecimento
está na hora do regresso.
A casa parece agora o melhor ingresso.
Amanhece... o cheiro a pão quente
ainda nos desvia do descanso.
saciados
vemos o chão molhado como um convite ao leito
a chave no bolso, o cansaço nos olhos
o sorriso embriagado nos lábios
. A manhã parece de luz.
Os prédios e as casas
e o reflexo da chuva dentro da lua.
Deparamo-nos com a estonteante beleza de uma cidade
que desperta, sem sequer ter adormecido.
Caímos redondos. Pés de fora, roupa fumada, na cama lavada
no pása nada!
Num milésimo infinitamente pequeno de costume
é já hora de acordar
Ponho me a andar
e a manhã que tinha acabadode chegar
começa novamente a pesar
sigo para a vida, sobrevivida.
Já não vou sorrir ou falar
porque é hora de trabalhar
e o ciclo repetese e repete-se e repete-se...
sem cessar....
2.09.2011