escrever é o meu teatro mudo

escrever é o meu teatro mudo
escrever é o meu teatro mudo | 24.08.2002

sexta-feira, 23 de julho de 2021


 Tenho que te dizer isto… 

Somos muito mais, sabes?
Maiores que o corpo 
E os pés que o sustentam.

Podia ser eu e tu e nós, na vida
E fazê-la vivendo sem medo
Mas com receio

Podíamos ser passageiros
Num mesmo comboio 
Um mesmo destino
Sairmos num mesmo apeadeiro 
ou estação principal
E os olhares não se cruzam
As palavras não se trocam
Corações não se tocam…

Podias viver na porta em frente
E os turnos fazerem-nos 
imperfeitos vizinhos
Perfeitos desconhecidos
Trocando a correspondência enganada 
Do esquerdo para o direito
De um carteiro desatento às vidas

Podíamos abrir os olhos
Todos os dias
E sermos levados lado a lado no trânsito
Sentidos contrários
Numa fila quieta e abstracta
Desencontrados em vermelhos desfasados

tenho que te dizer isto, sabes? 
A vida
Não tem relação com trânsito
Escadas comuns num qualquer condomínio
Nem viagens férreas em linhas de tempo

Somos maiores que o corpo!
Mãos dadas que não se tocam
Olhares fixos, que não se cruzam
Caminhantes lado a lado, 
em estradas invisíveis
Une-nos o infinito
E perdemo-nos nele 
E rimo-nos quando 
Em qualquer cruzamento de galáxias 
Nos reconhecemos

Irmãos sem progénese
Amigos sem história
Deuses sem reino
Reis sem castelos

Somos maiores que o corpo 
E sabes? 
Somos tão ínfimas partículas
Da mesma seiva estelar
Que ficamos indiferentes
Aos desencontros mundanos 
De vidas intermitentes

No fundo
Sabemos
Que as mãos, 
mesmo que não se toquem
Estão sempre entrelaçadas.
 
Luz Peixoto
Julho 2021

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